Casal preparando-se para sair. Ela uns 40 e poucos anos, ele 50.
Ela pede:
– Me fecha atrás?
Ele:
– Ahn?
– O vestido, Sergio. Fecha o vestido.
– Ah.
Ele tenta fechar o vestido dela atrás mas não consegue. Em vinte-cinco anos de vida conjugal é a primeira vez que tem dificuldade em fechar o vestido dela atrás.
– O que foi, Sérgio?
– Calma, Dulce. Preciso me concentrar.
Ele finalmente consegue fechar o vestido.
– Pronto. Dever cumprido.
– O que você tem, Sérgio?
– Por quê?
– Parece distraído. E ainda não terminou de se vestir. Nós vamos chegar tarde no jantar.
Ele senta-se na cama.
– Dulce, eu vou confessar uma coisa.
Dulce olha para o marido com surpresa. Uma confissão? Que confissão? Uma amante? Um problema na firma? Estamos arruinados? O quê?
***
– O quê, Sérgio?
– Eu nunca entendi o que o Pato Donald dizia.
Dulce controla a vontade de bater no marido.
– Que loucura é essa, Sérgio?
– Passei toda a minha infância fingindo que entendia, mas não entendia. Você entendia?
– Por que isto agora, Sérgio? Você está muito estranho.
– Eu ria mas não entendia. Era um riso falso.
– Sérgio, por amor de Deus. Vamos parar com essa loucura e acabar de nos vestir. Já estamos atrasados e você nem...
– Eu não devia ser o único. Muito mais gente não entendia o Pato Donald.
(Luis Fernando Veríssimo)